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curtumes de fez: um dos ofícios mais emblemáticos de marrocos


Fez, a primeira cidade imperial marroquina, onde se localiza a Universidade mais antiga do mundo ainda em funcionamento e a maior medina islâmica do mundo ainda habitada, possui no seu centro histórico, ou seja, nessa mesma medina, um dos ofícios mais antigos e artesanais do mundo: os curtumes.

Repleta de ofícios tradicionais, como os têxteis, a latoaria, ou a cerâmica, Fez tem nos seus curtumes a atracção mais turística e visitada da cidade. Da época medieval, o trabalho das peles e do couro mantém-se inalterado, desde há 700 anos.

De visita obrigatória, também devemos ter a noção de que os curtumes são um dos ofícios mais cruéis e retrógrados do mundo. As crianças, que sonham vir a ser um dia curtidores, já que é um dos trabalhos mais conceituados da cidade, passam o dia a apanhar excrementos de pombo, produto essencial para o tratamento das peles. Os curtidores andam o dia inteiro mergulhados nas tinas cheias de químicos, onde as queimaduras provocadas pela cal são constantes. Os burros fazem inúmeras viagens diárias, de incontáveis quilómetros, extremamente carregados de peles para as levar a secar, muitas vez sob um sol abrasador. Para não falar do constante odor fétido e da poluição diária nas ruas, provocados por este extremo ofício.

São vários os curtumes localizados no interior da cidade e todos eles podem ser visitados. O maior, mais visitado e mais impressionante é o Curtume Chouara. Visitar estes espaços torna-se mais fácil com um guia, pois este leva-nos directamente aos curtumes, os quais nem sempre estão identificados, além de nos irem explicando todas as etapas do processo. No entanto, também é possível visitar os curtumes por conta própria.

A entrada nestes curtumes é livre e gratuita e o acesso faz-se pelo interior das lojas especializadas na venda de peles e produtos de couro. Estas lojas localizam-se ao redor dos diferentes curtumes e é através dos seus balcões e terraços, que temos a oportunidade de ver estes espaços em funcionamento e os trabalhadores durante as diferentes etapas deste ofício.

Uma das primeiras etapas localiza-se nas ruelas circundantes, mesmo antes de chegarmos às lojas, onde conseguimos ver toda a lã e pêlo, anteriormente cortados das peles, como vaca, ovelha e camelo, armazenados para serem posteriormente cardados, fiados e tingidos. Esta matéria-prima serve para outros ofícios muito tradicionais da cidade e do país, como os têxteis.

É a caminhar por estas ruelas que nos vamos apercebendo da característica mais conhecida dos curtumes: o cheiro nauseabundo. Este odor vai-se intensificando quanto mais próximo estivermos dos curtumes. À entrada de uma das lojas, que nos permite o acesso aos seus terraços, um dos funcionários dá-nos um raminho de hortelã ou de menta, para colocarmos junto do nariz, para minimizar esse odor tão intenso. Como íamos acompanhados por um guia não nos exigiram gorjeta, mas é boa prática pagar-se por este raminho, nem que seja uma moeda de 2 dirhams. Segundo o nosso guia, as temperaturas mais amenas de Novembro, data da nossa visita, não provocam um cheiro tão intenso na cidade, ao contrário dos meses com temperaturas mais elevadas, como o Verão.

O primeiro impacto quando visualizamos os curtumes é a sua palete de cores, que mais parece uma aguarela, produzida pelas diferentes tinas para tratamento das peles. Daí ser uma atracção turística tão visitada e fotografada. As tinas brancas é onde ocorre o primeiro processo no tratamento das peles. Estas tinas estão cheias de um químico natural composto por cal, urina de vaca e excrementos de pombo. Este químico serve para limpar as peles e torná-las mais macias e maleáveis. Só assim, os pigmentos de cor, que será a fase seguinte, nas tinas acastanhadas, serão completamente absorvidos pelas peles.

Apenas 4 pigmentos naturais são usados para tingir as peles, numa primeira fase, como o índigo para o azul, a menta para o verde, o carvão para o preto e o açafrão para o amarelo. Depois de tingidas, as peles são carregadas por burros até uma das colinas que circundam a cidade de Fez, para ficarem a secar. E é na medina desta cidade onde ouvirão mais vezes a palavra “Balak”, ou seja, "Cuidado", para deixarmos passar estes animais carregados.

Depois de perdermos algum tempo por estes terraços a fotografar e a tentar perceber as etapas deste ofício, somos convidados a visitar a loja e ver todo o tipo de produtos à venda, feitos através desta matéria-prima e deste ofício. Não somos obrigados a comprar, mas conseguimos perceber, apesar deste complexo e árduo trabalho, que os produtos de couro não são assim tão caros e podem ser ainda mais baratos se forem bem regateados.

Nos últimos anos, tem havido um plano para retirar os curtumes do centro da cidade e levá-los para os arredores, por causa do cheiro, do lixo e dos químicos que este ofício acumula por toda a cidade, incluindo no Rio Oued Sebou, que atravessa Fez. Esta característica assume os curtumes como um dos ofícios artesanais mais poluentes do mundo. No entanto, o receio da quebra dos rendimentos provenientes dos turistas, que poderiam deixar de visitar esta atracção tão emblemática, ou deixar de fazer as suas compras nas lojas aqui localizadas, faz com que os curtumes continuem da mesma maneira e no mesmo local há 700 anos: no centro da Medina de Fez.



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